O Mestre Internacional de Xadrez Hélder Câmara faleceu no sábado, dia 20 de fevereiro, aos 79 anos.
Hélder nasceu no dia 7 de fevereiro de 1937, sendo que começou a se destacar no xadrez com a idade de 17 anos, quando foi campeão cearense. Depois foi tri-campeão carioca e paulista, chegando a ser campeão brasileiro em 1963 e 1968 e quatro vezes vice-campeão brasileiro (1961, 1964, 1966 e 1969), ou seja, praticamente liderou o xadrez brasileiro na década de 1960.
Além disso, disputou as olimpíadas de xadrez de Lugano, na Suiça, em 1968; Siegen, na Alemanha, em 1970; Skopie, na Iugoslávia, em 1972; Nice, na França, em 1974; La Valetta, em Malta, em 1980; e Thessaloniki, na Grécia, em 1984.
Criou uma defesa no xadrez, que passou a se chamar Defesa Câmara, em sua homenagem (1. e4, e6; 2. Cf3; De7), repetindo o feito de um antigo enxadrista campeão brasileiro, Octávio Trompowsky, que antes dele havia criado a Abertura Trompowsky.
Manteve colunas nos principais jornais, como a última (que eu me lembro), no Diário de São Paulo, bem como era escritor, com duas obras que se destacaram, como Caissa: 64 Crônicas de Xadrez (2006) e Diagonais: crônicas de xadrez (1996). Além disso, tinha um Blog sobre xadrez simplesmente maravilhoso.
Era um amante da nobre arte, o boxe, sendo que, se não estou enganado, chegou a praticar.
Conheci Hélder quando tinha 14 anos e passei a frequentar o Clube de Xadrez São Paulo no início da década de 1970, mais precisamente em 1972, quando participei do meu primeiro Campeonato Paulista de Xadrez. Hélder obteve o título de mestre internacional no Sul-Americano realizado no Brasil nesse ano. Na época, Hélder concorria com Henrique da Costa Mecking, o Mequinho, que havia se tornado a nosso maior astro, ganhando, em 1973, o Interzonal de Petrópolis. Mequinho veio a ser logo depois o terceiro melhor jogador do mundo, atrás apenas de Anatoly Karpov e Victor Kortchnoi.
Em uma oportunidade, num daqueles torneios abertos que o Clube de Xadrez São Paulo promovia, enfrentei Hélder, que de brancas, jogou o Sistema Cole, sendo que joguei um c5 e contra-ataquei de forma arriscada pela coluna “c”, conseguindo uma boa posição, que causou preocupação ao meu grande adversário, no entanto, ainda no meio-jogo, Hélder jogou um Bh6, iniciando um ataque demolidor. No clube, por ser de Osasco, na época, a partida foi acompanhada com um certo interesse, porque senão me engano o Nivaldo Freixeda ou Sílvio Cunha Pereira, que também eram de Osasco, um deles havia ganho do Hélder, há algumas semanas. Depois que terminou o jogo, Hélder meio que justificou a partida, de certo modo, disputada, perante o pessoal do clube, dizendo: “Pô, o Aragão é piolho do clube.”
Outra lembrança do Hélder, já em São Bernardo do Campo, a cidade que adotei, foi em 1973 ou 1974, quando passei a integrar a equipe da cidade e ele representava a equipe principal da cidade nos Jogos Abertos, juntamente com Alan Nailly (não me recordo ao certo a grafia), Sérgio Aranha e um terceiro que não mais recordo o nome. Eles chegaram atrasados e perderam por W.O. em uma das rodadas (foram almoçar e se perderam na cidade), o que prejudicou a equipe de São Bernardo duplamente, porque vigorava um sistema em que a equipe vencedora ganhava 3 pontos, empate 2 e derrota 1, sendo que, em caso de W.O., a equipe ficava com zero ponto. Hélder não se conformava, dizendo que era torneio de xadrez e não torneio de “bom comportamento”.
Reencontrei Hélder, quando estudava na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Largo São Francisco, na Sala do Estudante, quando ele compareceu para assistir uma palestra de seu tio, Dom Hélder Câmara.
A última lembrança de Hélder é de mais ou menos uns três anos, quando participei num torneio aberto da Liga de Xadrez de São Paulo, no Centro Acadêmico Osvaldo Cruz, da Faculdade de Medicina da USP. Na última rodada, perdi uma partida totalmente ganha, num final onde tinha enorme vantagem, por causa do tempo. Hélder acompanhou a partida e depois que ela terminou demonstrou que havia uma “rede de mate”.
O xadrez é uma grande paixão, sendo que desde o início convivemos com perdas, como a do Antônio José França Garcia, do Colégio Antônio Raposo Tavares, o Ceneart, de Osasco, bi-campeão paulista universitário, e depois a de Lígia Abreu Carvalho, colega da USP, campeã brasileira e ativista revolucionária. Depois, perdemos o Antônio Rocha, o mestre internacional, campeão paulista e brasileiro, as campeãs de São Bernardo do Campo, Dona Otília e Dona Margareth, e o Maurício Murubayashi. Mas no último período está sendo demais, porque perdemos o Rômulo Berê, o André Cajal e seu companheiro da equipe romena infantil, Alexandru Sorin Segal, que ganhou até do grande Robert Hubner, um dos maiores enxadristas da década de 1970. Perdemos recentemente também outro colega de USP, o enxadrista Raul Gerson Kopenhagen Feld.
Agora com a perda do Hélder não deu para segurar.
J. Aragão
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